O bebê está sorridente no carrinho que o pai vai empurrando ao lado da esposa. O bebê em sua vitalidade e meiguice espia o mundo! Olhos atentos a um mundo a se descobrir. O colorido das pessoas que passam, a fachada das lojas fechadas, tudo atrai o bebezinho. Deve ter uns dez meses − porque está altivamente sentado no carrinho.
O pai, com a máscara respiratória no queixo conversa com a esposa. Ela é nova, bela. Camiseta colorida, bermuda curta branca. A máscara branca caída abaixo do queixo é apenas um adereço estranho. Ele de camiseta cinza, bermuda jeans. São jovens. Deve ser o primeiro filho. Pai, mãe e filhinho desfilando tranquilos e felizes em meio à pequena multidão. A maioria de máscara. Uns usando máscara protegendo nariz e boca, outros usando a máscara no queixo. Em tempo de covid-19, é preciso proteger o queixo, parte mais sensível do corpo, muito mais que nariz e boca ─ devem pensar essas pessoas!
A manhã é linda. É outono. As lojas fechadas em plena semana comercial. A cidade sob as ordens do isolamento social. Mas as ruas têm movimento estranho de pessoas. Há idosos, há pessoas magras, gordas, altas, baixas andando pelas ruas. Um homem anda com dificuldade amparado pela bengala, deve ter uns noventa anos. Uma senhora gorda e solitária também anda com dificuldades a passos pequenos. Há pais acompanhados de filhos pequenos, ambos vestidos de roupas simples e velhas, as crianças sem máscaras. Estão indo em busca do Auxílio Emergencial. Uns temem o novo coronavírus, mas fazer o quê? É preciso ir à Caixa, ou à
Lotérica, enfrentar filas quilométricas; na fila, involuntariamente ou não, conversam com os companheiros de jornada e esperam resiginados. Algumas tossem, espirram, uns não usam máscaras. Mas os seiscentos reais serão a salvação da família nestes tempos de isolamento social e econômico. É preciso enfrentar a vida como sempre fizeram, sem medo ou com medo, mas com determinação. Pobre tem que ser guerreiro. Por isso, estão na rua. A necessidade é que dita as ordens.
O bebezinho está sorridente alegre vendo tantas coisas, descobrindo o mundo! O bebezinho não sabe do mal que assola o mundo. Não sabe que neste momento há alguém morrendo em um hospital pela covid-19. Talvez em uma casa da periferia uma pessoa esteja morrendo sem que tivesse recebido a assistência médica. E que tem cidades no Brasil com tantos defuntos que são enterrados em valas comuns, como num campo de guerra. Mas os pais dele sabem. Os pais, por mais que não prestem atenção nos noticiários sabem que há um inimigo invisível no ar que pode levar sumariamente à morte se esse inimigo entrar pelas narinas, pela boca pelas mucosas dos seres humanos. Os pais sabem dos riscos da contaminação. Devem saber que o lindo filhinho que, felizes, empurram ali no carrinho também pode ser contaminado e que é o mais sensível naquela alameda movimentada. Sabem que o filhinho, empolgado com seus movimentos de liberdades, jamais deixaria em seu rostinho de anjo, um pano que atrapalhasse o sorriso. A boquinha quase sempre aberta em sorriso de felicidade e de espanto pelo que vê não aceitaria esse entrave. E por isso, deixa o bebezinho em completa liberdade.
Lá vai os pais pelas ruas do centro da cidade levando no carrinho uma criança linda, saudável, sorridente e feliz. Os pais estão alegres e conversam animadamente. Invisíveis gotículas de saliva pululam a atmosfera do bebê, entram suaves pela delicada boquinha, pelo narina delagada e deslizam feito plumas ao vento pelas tenras vias aéreas da criança. Ele inocente aos riscos, feliz, descobre e admira o mundo. Os pais, radiantes, andam tranquilos pelas ruas da cidade brincando com o novo coronavírus…
Vald Ribeiro