Todo mundo necessita ler ou ouvir histórias. As histórias embalam a nossa vida feito uma cantiga de ninar que embala um bebezinho para um suave sono. As crônicas podem ser histórias, e nos embalam, não para o sono, mas para o sonho! Por vezes, as crônicas são acicates que nos despertam para a realidade e nos rementem à reflexão. Também são nossas companheiras na alegria, na tristeza e na doença: eis aí as crônicas acompanhando a nossa existência!
A crônica literária é uma história. Uma história diferente. Diferente porque ela está entre o concreto e abstrato, a antítese e a tese, a metáfora e a realidade. Também está entre a notícia e a ficção.
A crônica descreve, narra os sinônimos e antônimos da vida. Mas, o que é a vida? A filosofia esclarece o que é a vida; as religiões também; idem a poesia. A crônica, não! Ela não explica a vida: descreve! Mesmo que esse encantado gênero literário narre ou descreva o asfalto ou um balde de lixo em uma rua qualquer, ela estará descrevendo a vida — O asfalto não é uma invenção humana? E o lixo? Há algo inanimado mais humano que o lixo? Luís Fernando Veríssimo, na crônica “Lixo” nos demonstrou isso.
Lembro-me de uma crônica escrita por João do Rio em 1905: era uma confeitaria no Rio de janeiro. Duas meninas, dois rapazes e uma mulher viçosa ― a mãe das meninas. Há uma poesia, uma epifania, uma ternura naquelas cenas descritas e há também uma concludente crítica aos valores morais daquelas três mulheres e também do homem que as trouxe à confeitaria. E quando eu entro um bar ou confeitaria, por vezes, lembro-me da imagem descrita naquela crônica! Lembro dos valores morais da época e dos valores de hoje. Afinal, a crônica é um cativante retrato ─ em palavras ─ dependurada na parede de um livro, de uma revista ou de um jornal. Um retrato que apreendemos e pregamos na parede da nossa memória!
Se faltassem todos os documentos históricos do mundo e sobrassem apenas as crônicas, os historiadores conseguiriam recompor a história da humanidade apenas por elas. E, ainda com uma característica imprescindível: a descrição. Elas descrevem atos, pensamentos, ideias, abraços, lágrimas, mortes, lua de mel, sorrisos, tristezas, cantos dos passarinhos na praça, epifanias, borboletas ou uma gaivota sobrevoando Ipanema. E aí reside a vantagem da crônica enquanto documento histórico: retratar sentimentos, valores — valores morais, valores afetivos, valores humanos e até valores econômicos — ou a ausência desses…
A crônica é uma máquina do tempo! Quando lemos uma crônica de acontecimento de tempos antigos, ela nos leva para esse passado! Infelizmente, esse engenho está em extinção! Muitos jornais não têm mais uma coluna dedicada às crônicas. Revistas, timidamente apresentam apenas uma crônica, geralmente reflexiva. Crônica narrativa? Não! Essa já não habita mais as páginas da imprensa!
Falta de público leitor? Teria os leitores renegado esta arte só porque vivemos na era da liquidez, era a qual, no contexto da vivência líquida, tudo é marcado pela rapidez e pela adequação a esse mundo veloz? E, às vezes, não paramos mais para ler e refletir sobre a vida… sobre as pequenas, médias e grandes coisas da vida! As crônicas se preocupam com essas coisas!
Mas, o que é a vida? A crônica, nas linhas e nas entrelinhas, tenta, não explicar, mas nos motivar a refletir sobre a vida. E o que é mesmo a crônica? A crônica é o espaço entre a realidade a fantasia, entre a reportagem e o conto, entre o concreto e o abstrato, entre a tese a antítese, entre o significante e o significado… a crônica é o espaço entre metáfora e o denotativo.
A crônica é um varal; nele penduramos as pequenas, médias e grandes coisas da vida e do mundo.
Vald Ribeiro
(vald@palavras.com.br)