Gabriela olhou resignada para a clientela se aglomerando no saguão da empresa em que trabalha enquanto se sentava na escrivaninha. Oito horas da manhã, e tantos clientes! O dia seria cansativo. Ligou o computador. A data em letras garrafais aparecendo na tela: dia seis. Dia seis? Interrogou para si mesma. Dia seis: aniversário de mês! Como diria Tales. Como é que Tales não falou nada, nem deu o mínimo spoiler de que hoje era o dia de comemoração do meu aniversário de mês? Indagou para si mesma. Por que ele não tinha ainda enviado a tradicional mensagem criativa de felicitações? Será que se esquecera?
Lembrou-se da primeira vez em que Tales enviara para ela a primeira felicitação de aniversário de mês: foi logo no mês seguinte após a data de aniversário. Lá estavam as felicitações de “feliz aniversário”, e entre parêntesis “de mês” em um ornado cartão virtual enviado pelo aplicativo de mensagens. Que outro homem no mundo teria a ideia de comemorar o dia representativo do aniversário a cada mês? Nenhum! Só o marido dela mesmo. Os lábios abriram-se num sorriso de felicidade e de gratidão a Deus, pelo homem romântico e amoroso que ela possuía.
Olhou de novo o celular na busca da mensagem comemorativa enviada por ele. Nada. Como pôde esquecer? Justamente agora em que ele já estava de férias e sem as preocupações do trabalho! O bichinho da ansiedade cutucou com força o coração de Gabriela a ponto de acelerar com velocidade máxima os batimentos. Não! Ele não esquecera! Deve estar aprontando mais uma de amor para mim ─ falou para si, quase em voz alta. Mas as evidências… nenhum sinal de comemoração! Desde ontem que não percebera nenhuma ação, nenhuma evidência de que o amado iria comemorar este dia. Nem ele falara nada, como às vezes, confidenciava que já estava preparando algo para comemorarem.
Meio-dia. Gabriela mal adentrou a garagem com o carro e logo viu o companheiro com sorrisão nos lábios vindo serelepe em direção do carro. Contente, ele foi logo abrindo a porta do automóvel para amada ─ como um mordomo à patroa. Mordomo do amor! ─ pensou ela. Sorriu para ele.
Se abraçaram entre sorrisos.
─ Estou cansada. Muita correria hoje no trabalho ─ anunciou antes que ele notasse algo de ansiedade estampada na face. Ansiedade pela ausência dos parabéns… ao menos.
Ele deu uma bitoca nos lábios de Gabriela e em seguida em cada uma das bochechas.
─ Tu nem esperou que eu higienizasse o rosto, amor! Quase que tu me beijava de máscara e tudo. ─ censurou ao amado numa voz de ternura.
─ Hummm! E esta carinha de chateada, de cansada? Fica assim não. Vou te relaxar. ─ Pôs as mãos nos ombros dela e foi a conduzido em direção ao banheiro para as abluções anticovid que ela sempre fazia assim que chegava do trabalho.
Na cozinha, ela não percebeu nada de especial para um almoço comemorativo. Ele tinha se esquecido mesmo! De novo o bichinho da ansiedade cutucando o coração de Gabriela e atiçando o cérebro a falar “Tu sabe que dia é hoje? Tu esqueceu, né?” Respirou fundo e engoliu as perguntas ásperas. Respirou fundo mais uma vez ─ Era uma forma de tentar controlar a ansiedade e de sempre impedir que pensasse no pior como sempre acontecia em seu cérebro ansioso.
Depois das abluções, sentou-se à mesa, desejosa de que ele comentasse algo do aniversário de mês, mas ele limitou-se a fazer as tiradas bem-humoradas como sempre fazia na hora da refeição. Pôs-se a servir o almoço para ela. Tão mágico ter um marido assim. Um marido que fazia de tudo para poupar a mulher do trabalho doméstico e diminuir o cansaço do trabalho ou as noites de estudos.
À tarde, no trabalho, mesmo sabendo que o aplicativo de mensagem tinha um toque sonoro especial para as postagens do amado, não hesitou em olhar o celular por dezenas de vezes na esperança de que houvesse uma mensagem dele no tradicional parabéns no aniversário de mês. Nada de mensagem! Como ele poderia ter esquecido? De novo o coração acelerando. Bolas! Por que ela não poderia esquecer da data uma vez na vida? Poderia esquecer sim. Um dia o cérebro poderia falhar e não era por falta de amor porque sabia o quanto ele a amava e a idolatrava.
À noitinha, ao adentrar o carro na garagem achou estranho o fato de o amado não estar na porta ou indo em direção do carro. Muito estranho, muito estranho! ─ exclamou em voz alta. Pegou a bolsinha e saiu lépida do carro, casa adentro.
─ Amor? Amor! Tales? Tales!
Silêncio total. A sala sem adereços de comemoração. Nada de novidade da cozinha. Ele tinha esquecido. E onde estaria?
Gritou então:
─ Tales?
─ Oi, meu amor! ─ veio a voz dele lá do quintal.
Correu para lá. Ele com uma garrafa de vinho rosé especial na mão procurando um lugar harmonioso para deixá-la sobre a mesa. A mesa flexível ornada com uma toalha branca. Duas taças de vinho sobre a mesa. Um abajur em formato de globo no centro, dois pratos paramentados com talheres, uma redoma com alguma guloseima especial ao lado o abajur.
─ Que susto, Amor! Tava tão silenciosa a casa… e você não foi me recepcionar.
Trocaram o selinho de eu te amo. Abraçaram-se.
─ Tu nem me deu uma oi de aniversário do mês hoje, né seu louquinho?
─ Mas eu deixei o convite para a gente jantar fora ─ deu uma ênfase à palavra “fora”. Deixei na sua bolsinha… Jantar fora assim, né? A lua nos olhando, as estrelas nos filmado.
─ Nem abri a bolsa hoje. ─ sorriu e o apertou mais no abraço. Desvencilhou-se do enlace. Abriu a bolsinha que ainda estava pendurada no ombro. Achou um envelope amarelo lindamente ornamentado de imagens de girassóis. Apalpou o envelope e tirou um papel cartão com uma correntinha delicada colada. Leu entre sorriso: “Convite. Convido você para jantar fora hoje as 19 horas. Endereço: nosso quintal”. Riu da invenção bem-humorada do amado. Só mesmo ele para inventar essas gostosas invenções! ─ Tu é demais, meu amor. ─ o sorriso de ternura e gratidão desabrochando nos lábios. Desdobrou a correntinha: era uma gargantilha com um pingente de uma linda e coruscante flor de girassol. O sorriso largo ainda nos lábios de Gabriela. Tales contemplando extasiado o sorriso, o sorriso mais lindo do mundo.
Gabriela aconchegou-se ao amado num abraço sapeca. Os lábios se aproximaram dos lábios dele… e ele foi sentindo no beijo a gratidão da amada pela comemoração singular que se iniciava.
Carlos Peanquin