Lá do limbo, na grande televisão, Friedman olha com tristeza os acontecimentos da Terra. Nas últimas três semanas uma tristeza funesta pairava sobre ele. As almas mais próximas a Friedman ficaram surpresos porque o artífice do neoliberalismo pós-moderno ainda estava na maior felicidade comemorando a vitória dos últimos neoliberais eleitos na Terra, dos quais Trump, Bolsonaro, Moreno e Piñera.
Marx e Keynes, atentos aos acontecimentos da Terra, estão, claro, tristes porque seres humanos morriam aos borbotões pela covid-19. Apesar disso, otimistas, os dois vislumbravam uma grande alegria para a humanidade porque ansiavam por uma constante e rápida diminuição de mortos vítimas da doença. Além do mais, nutriam de boas expectativas ideológicas para o pós-pandemia.
Os dois confabulando. Marx:
─ A tristeza de Friedman deve ser isto mesmo, Keynes: a derrocada total do neoliberalismo depois desta pandemia.
─ Concordo, camarada. ─ apoia Keynes, o criador da metodologia econômica versátil e mais aplicável que o socialismo. Admirava o velho Marx, e sempre em homenagem às ideias marxistas, o chamava de “camarada”.
─ É isso mesmo. E ele, que não é besta nem nada, teve um pensamento igual ao nosso. Lembra, Keynes, que semana passada a gente tinha começado a discutir sobre o fim do neoliberalismo e depois dessa pandemia?
─ Lembro! Mas está na cara que o mundo não será mais o mesmo. A intervenção na economia será a salvação da humanidade. Economistas e políticos do mundo todo perceberão que à medida em que os trabalhadores e desempregados tiverem acesso às rendas desses programas emergenciais a Economia vai se deslanchar. Será bom para burgueses e proletários. Deveriam ter aprendido comigo. Minhas ideias foram a salvação do povo na crise de 29… e a salvação do pós-segunda-guerra.
─ Ou aprendido comigo! A crise de 29 não chegou aos países socialistas da época.
─ Sim. Virtudes de uma economia planificada! Camarada Marx, desculpe-me desapontar-te… mas o futuro será keynesianista, meu caro!
─ Concordo! Concordo! Infelizmente, o proletariado não teve e não tem ainda mesma competência que a burguesia teve desde o século XIV em dominar o meio político e social. Então os proletários não farão a luta de classe que os levaria à revolução necessária… pelo mesmo por enquanto. Mas é muito bom ver que o neoliberalismo está nos últimos momentos… suas belas ideias de intervenção do Estado na Economia serão realidade. E não discordo! É a melhor forma de voltar ao estado de bem-estar social… mas em seguida, o futuro será socialista! As próximas eleições baterão recorde de esquerdistas e keynesianistas no poder! E no mundo todo!
─ A derrocada do neoliberalismo! Eu que pensei que isso não iria acontecer por tão cedo! Veja quantos neoliberais foram eleitos lá na Terra. Precisou de uma praga para mostrar que o intervencionismo e o estado de bem-estar social são as melhores opções para o capitalismo.
E Marx, em gargalhadas:
─ Se eu acreditasse em Deus eu até diria que foi uma praga divina para amolecer o coração dos neoliberais… lembra daquela história das sete pragas que ele mandou para o Egito para amolecer o coração do Faraó?
─ Lembro!
Olharam para Friedman. Ele sentado naquela clássica posição de “O pensador” de Rodin. Aproximam-se dele.
E Marx, sarcástico:
─ Meu caro Friedman! Consternado com a mortandade de gente no mundo?
E o artífice do neoliberalismo dos tempos pós-modernos:
─ Não se faça de rogado seus panacas! Vocês sabem muito bem que com essa pandemia aí o neoliberalismo já era. Esse povão e… até os empresários vão perceber que o melhor será sempre a intervenção do Estado na economia… as políticas públicas de integração social… adeus presidentes conservadores!
Friedman estava com a face amarrotada de tristeza e decepção. Vivia seu inimaginável momento de distopia.
Marx e Keynes saíram rindo discretamente. Iriam procurar Hayek, Mises e Stigler ─ que estavam em outra parte do limbo conversando com Pinochet, Margaret Thatcher e Reagan. Certamente estariam chorando aos cântaros, nem tanto pelos mortos da covid-19, mas pelo fim da doutrina antissocial que ora se diluía.
Vald Ribeiro
(vald@palavras1.com.br)
22 de abril de 2020