Só agora o Parlamentar tinha certeza de que o Brasil vivia uma ditadura. Uma ditadura bem pior do que aquela instaurada em 64 para caçar e cassar os comunistas. E esta agora não vinha do Poder Executivo: vinha do Judiciário, da Polícia Federal. Lembrou-se dos velhos tempos em que a Polícia não se interessava por investigações envolvendo políticos. Bons tempos também eram aqueles em que o Judiciário dormia eternamente em berço esplêndido. Os tempos mudaram. Não tinha mais volta! Os corruptos estavam com os dias contados? A única coisa que acalentava o Parlamentar era que, ao menos, o povo ainda dócil apenas assistia a tudo bestializado, como diria José Murilo, historiador, sobre o processo da Proclamação da República cujo livro o Parlamentar lera nos tempos da faculdade.
Olhou mais uma vez o jornal sobre a escrivaninha. Os números em letras garrafais denunciavam que a maré não estava para peixões da atual conjuntura política nacional. “8 ministros, 12 governadores, 24 senadores, 37 deputados, 5 ex-presidentes”. Quem diria? Em breve não sobraria mais pedra preciosa sobre pedra preciosa, propina sobre propina, corrupção sobre corrupção. Era chegada a hora da onça beber água, da cobra fumar e da porca torcer o rabo!
Lembrou-se dos amigos que já estavam presos. Todos pareciam invencíveis! Quem diria que um dia eles iriam parar na cadeia! Quem diria! Tantos sonhos estavam ficando para trás! Quantas propinas ele deixaria de abiscoitar! Curitiba em breve seria o roteiro de uma viagem compulsória. Mas o pior não era a ida a Curitiba para depoimentos, era ter que ficar preso por lá. Ficar longe da belíssima e novíssima esposa. Se ao menos ela fosse uma administradora como a mulher de Cabral, ele teria certeza de que a esposa ficaria presa. Ficando presa, nenhum gavião apareceria para cantar a mulher e… não teve coragem de completar a presunção.
A quinta-feira pairava sobre a vida do Parlamentar como um luto em morte de um ente querido. Os amigos estavam também assim, imaginou. Sozinho no apartamento, a depressão era maior. A esposa e os filhos já tinham partido para o interior, já estavam curtindo os regalos da Semana Santa. Ninguém para ampará-lo nesta angústia política. Pensou em ligar para uma acompanhante de luxo para animar naquele momento de dor. Melhor não. Não teria saco para os prazeres eróticos! Olhou o relógio na parede: cinco e meia da manhã ainda.
Dirigiu-se à janela. A escuridão quente e cálida de Brasília parecia ignorar o sofrimento do Parlamentar. Olhou para a avenida larga que margeava o edifício em que estava. Um carro preto aproximava do edifício. Seria já a Polícia Federal para prendê-lo coercitivamente? O carro, impassível, estacionando no portão. O coração do Parlamentar em alta pulsação . Poderia ser a Polícia sim. Dirigiu-se ao quarto, pegou a caixinha de bromazepam, tirou célere uma drágea e a engoliu.
Entrou no closet, pegou a imagem de Jesus Malverde, a pôs sobre a cômoda. Ajoelhou-se sobre uma cômoda e começou a rogar ao santo dos bandidos, traficantes e corruptos por mais dias de proteção.
Vald Ribeiro
publicado em 13 de abril de 2017