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GRAVURA: VALD RIBEIRO

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Veneno nosso de cada dia nos dai  hoje

22 de maio de 2022
Em Crônicas

Manhã de domingo, 22 de maio.  O Rio de Janeiro sob um sol morno.  O relógio da parede indicando 8:20. Dona Rosa animada.  A manhã será cansativa e prazerosa: preparar o almoção para os filhos, noras e netos ─ que chegarão antes do meio-dia ─ famintos e alegres vindo de diversos pontos da cidade, como ocorria quase todos os domingos.

Antes de começar a labuta culinária, abriu o desktop para ver as notícias. Perscrutou a página do site informativo. Nada de novo no front… Bolsonaro e decretos de flexibilização de armas… Feijão… Feijão? A manchete em letras garrafais: “Feijão tem quantidade de agrotóxico acima do padrão permitido, aponta dados do MAPA”.

Só faltava essa! O feijão nosso de cada dia com venenos acima do nível permitido? Como viver num país cujo principal alimento estava com quantidade de veneno bem superior ao permitido para o consumo? ─ pensou enquanto olhava a manchete no site.

Mirou os olhos na notícia e começou a ler. “Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apontou nesta semana dados que demostram alta contaminação do feijão por agrotóxicos liberados e até mesmo proibidos no Brasil. Dentre os agrotóxicos está o glifosato, o mais vendido no país, cujos efeitos a longo prazo são doenças das quais a Doença Parkinson, Alzheimer e    depressão”.

Como o agronegócio pode ser tão vil com o público consumidor, meu Deus? Lembrou-se que de que desde o começo da gestão até o momento o Presidente da República tinha liberado para venda   centenas de agrotóxicos, inclusive os proibidos na maioria dos países. A conivência da sociedade, do congresso, ao qual apenas deputados da Esquerda se posicionaram contra…  mas eram a minoria. De nada adiantou o protesto deles!  Agora, todos os brasileiros sendo vítimas disso!

Continuou a leitura. Os dados: “32 % de feijão comum contém alto índice de agrotóxicos e está fora do padrão exigido” para consumo humano. Tudo que precisava para convencer os filhos a deixarem de consumir o feijão comum, que ela sempre sabia que sempre teve alto índice de agrotóxico! Agora tinha um argumento científico! Ainda mais vindo do próprio Governo Federal. Mas era provável que os dados fossem maiores. Afinal, vinha de um Ministério que liberou os venenos proibidões. Lembrou-se de que na semana passada, pelo que tinha lido, o MAPA havia liberado mais 26 agrotóxicos proibidos na Europa e Estados Unidos. Então… quem sabe se os dados da contaminação divulgados pelo MAPA sejam superiores?

Agora era o momento certo de incentivar a família a deixar o feijão comercial preto ou comum para aderir ao delicioso feijãozinho de corda. Tanto que desejava mudar os hábitos da família! Inserir no cardápio familiar o feijãozinho que sempre consumia quando criança e adolescente lá no sertão baiano. Sempre que podia, achava de comprá-lo na feira ou no supermercado perto de casa porque certamente teria menos agrotóxico por ser menos consumido. “Feijão fradinho”, como diziam no Rio de Janeiro! Por que “Fradinho”? Bonito mesmo era o nome baiano: “Feijão de corda”.

Continuou a ler: “O maior índice de contaminação por agrotóxicos além do permitido é do feijão de corda: 89,4 %”. Estremeceu-se ao ler.  Coração batendo mais forte. Como assim? Justo o feijão que ela mais consumia por achar que seria menos envenenado? Como passar essa triste notícia para os três filhos, as duas noras e quatro netos que reunirão hoje para o famoso baião de dois feito exatamente com o feijão de corda? A velha estratégia de motivar a prole a consumir produtos menos envenenados, dos quais esse feijão por ser menos comercial!   Agora os conselhos iam por água abaixo!  E o que fazer hoje se precisaria manter a ética de mulher ecologicamente perfeita, de mãe e avó protetora da saúde familiar? Tinha comprado o feijão de corda à vontade num supermercado próximo. Se fosse na Bahia, compraria o produto na feira. Feijão comprado das mãos do pequeno produtor rural, oriundos da agricultura familiar. Tudo novo, orgânico e sem agrotóxico. Mas no Rio de Janeiro, não se tem esta dádiva.

Jogaria no lixo todo o feijão que comprara? Não. Não poderia desperdiçar. Melhor doar para os moradores de rua. Mas que contrassenso fazer isso! Se queria cuidar da família e evitar o feijão contaminado, então por que enviar algo prejudicial às pessoas carentes?  O que fazer então? Como ser ético num mundo em que a grana fala mais alto? Todos indo à bancarrota da saúde…

Deprimida, afastou-se  do desktop. Mais um crime contra a saúde cometido pela ganância dos barões do agronegócio e do Governo!

Dirigiu-se para a cozinha.  O pacotão de feijão de corda sobre a mesa.  Deixaria o feijão pelo menos meia hora no escorredor com a torneira aberta para tirar o máximo de veneno. Mas… e se a poupinha do feijão já tivesse contaminada?  E se a água forçasse mais ainda a entrada de micropartículas venenosas em cada grão?  Bem que desejava voltar ainda para o sertão da Bahia… não queria sozinha, mas com todos os filhos, noras e netos para morar numa região onde os produtos agrícolas são naturais e sem agrotóxicos. Como partir definitivamente de mudança para o sertão se cada um não queria migrar? Se os filhos trabalhavam, estavam bem estabelecidos profissionalmente no Rio?  Restaria agora lutar para convencer a prole a fim de todos se unam e comprem  uma fazendinha pelos arredores ali do Rio… empreender uma lavourinha orgânica… principalmente de feijão, sem agrotóxico.

***

Mudou o cardápio. Frango assado, bistecas, lasanhas, saladas e risotos. Nada de feijão.

***

Pôs a preparar as iguarias de emergência para o grande almoço.

***

Por volta das 14 horas, os três filhos, noras e respectivas proles reunidos em volta da mesa gigante. Antes do almoço, a tradicional oração de agradecimento sempre com um Pai Nosso. E ela contente, puxando a oração:

─ Pai Nosso que estás no céu, santificado seja o vosso Nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa Vontade, assim na Terra como no Céu. O veneno nosso de cada dia…

E os filhos espantados e em coro…

─ Que isso, mãe?

─ Veneno, Mamãe? ─ interrogou a filha.

─ Vovó endoidou!  ─ bradou um dos netos.

E dona Rosa, constrangida:

─ Me perdoem…me perdoem…  eu fiquei tão encafifada com a notícia sobre agrotóxico que li esta manhã que até saiu automático da minha garganta a palavra veneno. Imagine que o feijão que… que eu gosto tem 89% de veneno…

Dona Rosa nervosa e ruborizada. Uma das noras acudiu a abraçá-la num enlace de carinho e pena. Os filhos fizeram o mesmo.

E ela chorosa:

─ O meu Deus! Deixa eu explicar para vocês o que está acontecendo…

Vald Ribeiro

(vald@palavras1.com.br)

Tags: vald ribeiro
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